Brasil na OCDE: um importante passo

Por Ana Carolina Mongilod e Carlos Alberto Gueiros Neto | abril 29, 2021

Brasil formalizou o seu interesse em se tornar membro em 2017 e aguarda convite para iniciar o processo de acessão

No dia 25 de fevereiro de 2021, a ABDF Jovem realizou o evento “Joint event YIN/IFA – Brazil and Colombia”, no qual se discutiu, dentre outros tópicos, o processo de acessão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Não é segredo que o Brasil gostaria de se associar à OCDE como membro efetivo. Para muitos, a entrada na Organização significa um “selo de qualidade” capaz de proporcionar ao país a desejada credibilidade no cenário internacional. Mas o que deve ser feito para se tornar membro permanente e por que o ingresso nesse seleto grupo seria importante?

A entrada do país-pretendente na OCDE passa, inevitavelmente, por uma série de fatores técnicos e políticos que influenciam no processo de acessão.

Desde a sua criação, em 1961, a Organização estabeleceu critérios elementares a serem considerados para um candidato à acessão, dentre os quais a necessidade de “like-mindedness” em relação à visão de mundo e aos valores compartilhados entre os membros da OCDE (tais como economia de mercado e princípios democráticos).

Com o sucesso obtido ao longo de sua atuação e a demanda crescente de países que possuem o objetivo de ingressar no seu quadro de componentes, o Conselho Ministerial da OCDE desenvolveu o documento “Framework for the Consideration of Prospective Members”, a fim de fornecer aos membros e aos seus pretensos membros os critérios e as informações a serem observadas no processo de acessão à Organização [1].

O Brasil formalizou o seu interesse em se tornar membro em 2017 e aguarda convite para iniciar o processo de acessão, o que apenas ocorrerá com a aceitação unanime de todos os países-membros da OCDE. Com o convite, o país passará a estar submetido a um “mapa de acessão” (acession roadmap), no qual deverá seguir um longo processo de observância de uma série de exigências e condições. A Colômbia, por exemplo, terminou seu processo de acessão recentemente depois de intensos sete anos de trabalhos.

Embora ainda não seja um membro efetivo, o Brasil possui participação ativa e destacada na OCDE como um “parceiro-chave” (key partner), status que lhe permite relevante atuação na entidade. Acreditamos que, por conta disso e de outros esforços, atualmente, parece ser o país mais avançado para receber o convite [2].

Uma vez admitido como membro, o país não necessariamente estará sujeito a sanções pelo descumprimento das linhas traçadas pela entidade. No entanto, o dever de observância aos seus princípios, diretrizes e boas práticas decorrerá do desejado “selo de qualidade” que a Organização proporciona, bem como da vigilância multilateral proporcionada pela comunidade internacional que integra seus quadros. Naturalmente, parte deste processo passa pela realização de um profundo reexame de suas políticas internas sociais e econômicas.

Dentro de sua proposta econômica, um dos principais objetivos da entidade é a aproximação e a busca crescente pelo alinhamento tributário de seus membros. Em relação a isso, Brasil e OCDE preponderantemente divergem em relação a duas questões: preço de transferência e contencioso tributário.

No que diz respeito ao primeiro ponto, OCDE e Receita Federal do Brasil (RFB) têm desenvolvido importante trabalho de análise dos pontos de convergência e divergência das regras de preços de transferência brasileiras ao padrão OCDE, buscando identificar os principais aspectos a serem ponderados no processo de alinhamento do Brasil às normas da Organização (principalmente, a adoção do princípio do arm’s length), como uma das condições à sua acessão, sem deixar de levar em consideração as peculiaridades e especificidades do sistema brasileiro (particularmente, sua simplicidade e decorrente segurança jurídica).

Ademais, também é tema de constante preocupação o exorbitante montante de disputas tributárias no Brasil. A OCDE incentiva a adoção de uma série de políticas voltadas à solução de conflitos e à redução de litígios em matéria tributária.

Conforme estudo desenvolvido pelo Núcleo de Tributação do Insper, de dezembro de 2020, o Brasil possui um contencioso tributário equivalente a R$ 5,4 trilhões, o que corresponde a 75% do PIB [3]. Isto demonstra que nossas práticas vão na contramão do que pretende a OCDE ao propor diferentes alternativas de solucionar este problema e, consequentemente, melhorar a arrecadação dos seus membros. É chocante ver que, por exemplo, enquanto o Brasil possui 15,9% do seu PIB voltados somente para disputas na esfera administrativa federal, os países da OCDE teriam, em média, apenas 0,28% de PIB de créditos tributários sendo disputados administrativamente, como se observa na seguinte tabela do mesmo estudo do Insper:

Assim, o desalinhamento das políticas de preço de transferência e dos mecanismos de cobranças tributárias com as práticas da OCDE terá que ser levado em conta pelo Brasil em suas pretensões à acessão ao quadro de membros-titulares da OCDE.

A OCDE desenvolve importante trabalho de coordenação e alinhamento internacional, já tendo obtido relevantes conquistas, como foi recentemente reconhecido pelo conselho editorial do Financial Times, em artigo intitulado “The OECD is an underrated institution” [4]. Muito válidos os nossos esforços para nos juntarmos à instituição.

No campo tributário, se vier a se tornar membro da OCDE, o Brasil deverá adotar papel cada vez mais relevante na discussão dos novos padrões de tributação internacional que se formam, garantindo que os interesses de países com o seu perfil e nível de desenvolvimento sejam ouvidos.

Em meio ao cenário de crise econômica e de instabilidade política agravados com o advento da pandemia do COVID-19, nossa visão é a de que nunca foi tão importante e urgente a entrada do Brasil na OCDE para seguir as diretrizes da entidade e dar essenciais passos no sentido de reafirmar seu compromisso com a economia de mercado e valores democráticos, adotando as melhores práticas políticas e econômicas, o que certamente trará benefícios e investimentos ao Brasil.

[1] No referido documento, a OCDE previu novos critérios específicos para análise do país candidato a membro, dividindo-os com base no 1) estado de preparação, através do qual se verifica a situação em que o país se encontra para entrar na OCDE, considerando: i) sua governança pública e econômica com base em sua adesão a alguns instrumentos específicos da OCDE; ii) habilidade, capacidade e compromisso nas atividades dos comitês da OCDE, iii) alcance e impacto, regional ou global, do país na economia mundial; 2) compromisso do país com os valores da OCDE e obrigações de seus membros; 3) quadro institucional do país; 4) indicadores econômicos; e 5) relações do país com a OCDE, como participação nos órgãos da OCDE, adesão aos instrumentos legais, e participação em programas (Brasil a caminho da OCDE: explorando novos desafios / Vera Thorstensen; Thiago Rodrigues São Marcos Nogueira, coordenadores – São Paulo: VT Assessoria Consultoria e Treinamento Ltda., 2020).

[2] O Brasil já teria preenchido mais de 90 dos 250 instrumentos legais demandados pela OCDE, além de ser associado efetivo com atuação direta em 14 órgãos e programas da entidade e participar como convidado de outros 25. Logo após o Brasil, os países que mais atenderam aos requisitos para a entrada na organização são Argentina (51), Romênia (46), Peru (45), Croácia (25) e Bulgária (19).

[3] https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2021/01/Contencioso_tributario_relatorio2020_vf10.pdf

[4] “It has notched up some notable achievements. In education, the OECD launched and managed the Pisa international tests that allow governments to compare their records on maths, literacy and science, or taxation. Its 2015 Base Erosion and Profit Shifting project helped to patch up the holes in the international tax system. It has been instrumental in attempts to set out new principles for corporate taxation in an age of tech giants. All this suggests it is a necessary, and underrated, organisation.

The creators of the OECD and similar institutions were concerned to avoid the political and economic disasters of the interwar period, when countries responded to crisis by turning inward. Few would nowadays suggest the creation of a rich country think-tank. But whether on climate change or coronavirus, talking will be the first step to finding global solutions.” (editorial de 25 de março de 2021: https://www.ft.com/content/e82cc890-69aa-4641-ac84-dd82f682afa7?shareType=nongift)

Ana Carolina Monguilod é sócia da área de tributário do i2a advogados, professora do Insper, Diretora da ABDF (Associação Brasileira de Direito Financeiro), representante da IFA (International Fiscal Association) no Brasil, co-Chair da WIN (Women of IFA Network) no Brasil, Integrante do Conselho Editorial da Revista Trimestral do PJT (Projeto de Jurisprudência Tributária), uma parceria da ABDF com o GDT (Grupo de Debates Tributário), LLM em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Leiden (Holanda), pós-graduada em Direito Tributário pela Cogeae-PUC/SP, Coordenadora do GEP (Grupo de Estudos de Políticas Tributárias) da FGV Projetos, palestrante e conferencista em eventos e cursos diversos.

Veja a íntegra do artigo no site do O Jota: Brasil na OCDE: um importante passo.

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