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Entrevista concedida por Luis Peyser ao Valor Investe I 31 de março de 2021 às 06h36
Fundo do agronegócio não terá, segundo texto aprovado, a isenção de IR sobre rendimentos que os FIIs têm. Para especialistas, sem isso, ele deixa de ser tão interessante aos investidores
Sancionado com vetos importantes na noite de segunda-feira, o Projeto de Lei nº 5.191, de autoria do deputado Arnaldo Jardim que cria um novo instrumento de financiamento do setor agropecuário, o Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAgro), fica bem menos atrativo aos olhos dos investidores e do mercado de capitais do que se previa inicialmente.
Isso porque os vetos presidenciais foram em dois postos-chave para atrair dinheiro a esses novos fundos: a isenção de imposto de renda (IR) para o rendimento distribuído (dividendos) para pessoas físicas que investissem nos produtos, de forma análoga ao que ocorre com os fundos imobiliários (FIIs); e o diferimento (adiamento) do recolhimento do IR sobre o ganho de capital apurado na integralização de bens no fundo, como de imóvel rural.
“Sem isso [os pontos que foram vetados], perde, se não a efetividade como um todo, certamente perde fatores de atratividade, o que não é justo com um setor que tem dado ao Brasil demonstrações permanente grandes de seu potencial”, disse ao Valor Investe o deputado federal Christino Áureo (PP-RJ), coordenador da Comissão de Endividamento Rural da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e que participou desde o início da proposta.
Ele e outros parlamentares da FPA passaram a terça-feira em reunião para discutir o assunto e decidiram que vão tentar reverter a decisão. O principal argumento é que a Receita Federal, que sugeriu veto à equiparação fiscal aos Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs) e ao diferimento, não entendeu, na visão deles, que a proposta original não geraria renúncia fiscal.
O Valor Investe ouviu especialistas para entender qual a real atratividade do novo produto criado nesta segunda e a quem pode interessar. O quórum é unânime em dizer que: sim, os vetos tiraram os principais atrativos do FIAgro.
“O FIAgro só fazia sentido por conta dos benefícios para os cotistas; a isenção de impostos dos dividendos é primordial. Do jeito que foi proposto agora, não faz sentido o FII coexistir com o FIAgro, porque, senão, as empresas vão continuar encaixando as operações em imobiliário em detrimento do agro”, pontua Juliana Mello, sócia da securitizadora Fortesec, que havia recebido desde o ano passado diversas ligações de gestores interessados em criar fundos do agro quando aprovados. Com a divulgação dos vetos, ela disse que o interesse por esse novo mercado simplesmente minguou.
“Quando vamos olhar o mercado de capitais, o imobiliário está mais desenvolvido do que o do agro”, diz, se ao citar que as emissões de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) no mercado brasileiro nos últimos cinco anos, por exemplo, somaram R$ 58 bilhões (350 operações), contra R$ 103 bilhões de CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), que tiveram 1.150 operações no período.
“Se você tem um FII que dá todo o benefício para o cotista, vai preferir abrir um novo FII com características diferentes do que faz gestão, mais procura do mercado, apetite maior. Time que tem expertise nisso. Para abrir fundo agro, contratar uma equipe com expertise em agro, tem todo um trabalho por trás. E para fazer esse investimento em fundos que não têm benefício para o cotista como os FIIs?”, questiona Mello.
Reinaldo Lacerda, sócio da gestora de recursos Hieron Patrimônio Familiar e Investimentos, lembra ainda que já há no mercado fundos imobiliários com teses de investimentos no setor de agronegócio. Dois exemplos são o Riza Terrax (RZTR11), que leva a lógica do lastro em imóveis urbanos para geração de renda no meio rural, inspirado no universo dos Reits (fundos imobiliários) americanos, e o Quasar Agro (QAGR11), que investe em terras com silos e estrutura para logística do agronegócio – empresas alugam suas estruturas para fazer a gestão da distribuição de produtos e os investidores recebem os rendimentos desses aluguéis.
Além desses, há ainda teses de investimento em armazenagem e distribuição do agro, como compra de terras produtivas para alugar para fazendeiros cultivarem grãos ou criar animais, e projetos de arrendamento de terras para empresas de reflorestamento ou cultivo de mogno e madeira de lei. “A tese de fundo imobiliário para o agronegócio já existe há algum tempo e alguns já estão no mercado. A vantagem é a isenção de isenção fiscal para dividendos”, diz.
Para Lacerda, o diferencial do FIAgro é que o investidor pode não apenas adquirir cotas de um produto que compra terras e investe em papéis de dívida corporativa, como pode ainda participar do bônus – e ônus, claro – da sua atividade econômica.
“O fundo imobiliário de agronegócio pode comprar terras do agro e participar da atividade agroindustrial e agropecuária, participando da plantação de soja e criação de gado, por exemplo, e faz isso comprando cotas de empresas. Além de poder ter terras e participar da atividade, pode ainda comprar direitos creditórios da atividade rural, securitização do agro”, explica Lacerda. Os fundos do agronegócio podem ainda ter na carteira produtos securitizados, como as Cédulas do Produto Rural (CPRs) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).
Para o advogado Renato Buranello, sócio do VBSO Advogados e diretor do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio, “este rol extenso de ativos confere inerente polivalência” ao FIAgro, que pode atuar em diversas searas distintas. Ele destaca em especial a possibilidade de transações de private equity. em que o fundo poderá atua como investidor estratégico em empresas de capital fechado da cadeia agroindustrial.
Na prática, isso significa que o FIAgro tem vantagens em relação ao FII, que não podem participar diretamente em negócios do setor, e em relação ao Fundo de participação (FIP), que não pode ter participação em empresas e ativos securitizados. Dessa forma, o escopo do FIAgro é maior do que o de outros instrumentos.
Isso não mudou com os vetos, mas, na opinião de Juliana Mello, da Fortesec, sem o atrativo do lado do investidor, os gestores poderão parar para pensar se não é melhor escolherem outros instrumentos que já são mais conhecidos, como os FIIs, FIPs e até FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), que podem comprar créditos de diferentes papéis, inclusive de dívida agrícola.
“Já existem outros fundos que podem adquirir os CRAs; a diferença é que não têm o benefício fiscal, justamente o que seria o diferencial do FIAgro. No meu entendimento, o FIAgro deixa de ter tanta relevância [com os vetos]. Não faz, a meu ver, muito sentido ter FIAgro para isso se já têm outros meios de comprar papéis”, pontua.
Luis Peyser, sócio do escritório i2a Advogados, especializado na estruturação de emissões de FIIs e que estava à espera da aprovação do PL para oferecer a clientes que já mostraram interesse, também lamenta a desfiguração do projeto inicial e que tornou pouco interessante para o mercado de capitais o FIAgro. Na prática, ele aponta que já causa estranheza logo de cara o FIAgro estar na mesma lei dos FIIs e não ter o mesmo benefício fiscal.
“Basicamente, a forma como fizeram aqui diz: ‘está criado e se vão usar ou não, é problema de vocês’. A intenção inicial, de atrair o público de pessoas físicas assim como os FIIs, acabou caindo”, diz Peyser. “Fica mais difícil convencer o investidor a colocar seu dinheiro em um fundo agro, de um negócio no interior do Mato Grosso, que ele não tem proximidade e não conhece os riscos, e que ainda vai pagar menos do que um fundo imobiliário de um galpão logístico arrendado para uma varejista, por exemplo”, exemplifica.
O advogado explica que o menor interesse do mercado, de investidores e gestores, acaba se refletindo no outro lado da cadeia, o do produtor rural ou da empresa que atua no campo. “Menos gente investindo, menos dinheiro, mais caro fica para a empresa e o produtor rural. Não dá para saber quanto o investidor vai pedir para querer correr o risco de algo que nunca ouviu falar e que nem incentivo fiscal tem”, diz. As próprias empresas podem acabar optando por instrumentos de captação de recursos já conhecidos, como LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) e CRAs.
Peyser explica ainda que esperava inclusive uma pujança no segmento de fundos de agro focado em CRAs, algo que já tem com CRIs e que são atraentes porque tem a isenção.
“Seria um mercado muito pujante, bacana. Quando criaram os fundos que investem em CRI, foi muito interessante e têm fundos enormes de CRIs. É bom ver que tem pessoas especializadas, profissionais, pensando em estratégias e gerindo; para pessoas físicas entrar nas corretoras e avaliar os CRAs e CRIs é bem mais difícil, os gestores são importantes para ajudar esse pequeno investidor a avaliar riscos e compor a carteira”, reitera.
Sem a atratividade para o investidor, é possível que este mercado acabe como está: com títulos emitidos apenas pelos grandes, que têm dinheiro para estruturar CRAs, e seja vendido para os tradicionais investidores institucionais e fundos de pensão.
Diferimento do IR
Outro veto que deu o que falar foi o do diferimento de recolhimento de Imposto de Renda sobre o ganho de capital apurado na integralização de bens no fundo como de imóvel rural. Para entender o que estava sendo proposto, pense que um fundo pode agir de duas maneiras: pegar o dinheiro junto a investidores e, então, comprar os ativos; ou comprar os ativos e ir à mercado em busca de interessados no mercado. Nesse último caso, é preciso de um laudo de avaliação do valor da propriedade rural ou imóvel e, a partir daí, o vendedor precisará pagar o imposto sobre a diferença de valor.
O que o texto do FIAgro pedia era que, no caso de fundos que comprariam as propriedades antes de buscar os investidores, os donos desses ativos postergassem o pagamento do tributo apenas na hora que os investidores comprarem as cotas ou quando houvesse resgate na liquidação dos fundos – e não na emissão das cotas.
Segundo Peyser, isso poderia gerar um incentivo para que herdeiros de propriedades, por exemplo, que não tem dinheiro para cobrir o imposto, ou donos que estavam há muitos anos com o imóvel, decidissem vender. É um setor em que a falta de liquidez sempre atrapalhou as transações, já que envolve valores muito altos e investimentos de longo prazo.
Mas, ao argumentar o veto deste trecho, o despacho publicado na terça de manhã diz que “a medida encontra óbice jurídico por acarretar renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”.
Para o deputado Christino Áureo, a FPA tem a convicção que a medida aumentaria a liquidez do processo, consequentemente aumentando o número de novas transações, o que seria suficiente pra garantir o contrário, o incremento de receitas.
“A renúncia [fiscal] neste caso [do diferimento de recolhimento de IR], não enxergamos esse ponto dessa maneira apresentada pela Receita. Vemos justamente como uma grande oportunidade de o governo ampliar a capacidade de arrecadação, já que traria maior liquidez para a indústria de securitização de ativos de dívida e de transações e comercializações de terras agropecuárias. O número maior de transações, nessa nova realidade, também vai gerar receita maior”, comenta o parlamentar.
Para ele – e também para os especialistas ouvidos pela reportagem – os vetos não fazem sentido. “De maneira muito clara e transparente, viemos defendemos o ponto de vista e cabe agora discutir no âmbito da FPA, na Comissão de Agricultura da Câmara [dos Deputados], e outras instâncias, além de permanecer no diálogo com a própria Receita. No nosso ponto de vista, temos a visão de que existe uma renúncia que é meramente teórica. Na prática, o pagamento do tributo é feito, só não no momento da venda”, disse ao Valor Investe o parlamentar.
Ele reforçou que a Receita precisa entender que há fatores novos, recentes, que podem mudar a dinâmica dos mercados; “tudo está em constante evolução”. Acredita que não apenas os investidores pequenos, inclusive os que estão mais próximos ao agronegócio e que não se conectam com o que é oferecido hoje no mercado financeiro poderiam se interessar, como também os estrangeiros, uma vez que o agro é um dos mais pujantes setores da economia local.
“Esse setor [agro] é hoje no Brasil o que mais cresce e gera renda. É aquele que fica de pé e tem sustentado o país em várias situações. Mas também é um setor difícil. Mesmo dentro de um segmento, como cana de açúcar, por exemplo, há usinas que vão muito bem e outras que vão muito mal. A mesma coisa, na criação de gado. A única exceção tem sido a soja. Mas isso tudo significa que é complexo para o investidor e envolve riscos diferentes do que os investidores de FIIs estão acostumados, riscos inclusive maiores”, pontua Lacerda, da Hieron.
Buranello, do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio, reforça o coro dizendo que, sob o medo da renúncia a uma receita tributária hoje inexistente, o governo renuncia à possibilidade de se fazer novos negócios no agronegócio, tornando obsoleta já em seu nascimento uma importante fonte de financiamento para o setor que mais cresce no país.
“O FIAgro nasce como o pior veículo de investimento sob a perspectiva tributária: seus investidores terão uma tributação de IRRF sobre os rendimentos do fundo em regra maior – mesmo quando comparado com fundos de investimento que não possuem isenção – e o FIAgro ainda terá sua carteira tributada – quando nenhum outro fundo de investimento além do FII o tem – tornando-se absolutamente ineficiente”, afirma.
Finaliza dizendo que perde-se, assim, “qualquer sentido em se estruturar um FIAgro” quando comparado com outros veículos já disponíveis, embora menos versáteis e não voltados para o agronegócio, como o FIDC, o FIP e o próprio FII.
Veja o artigo na íntegra: Com vetos de Bolsonaro, Fiagro nasce sem atrativos | Fundos de Investimentos | Valor Investe (globo.com)
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